sexta-feira, 20 de maio de 2011

Relógio Sem Sol, de Cadão Volpato

Há escritores que investem todas as suas energias na trama, urdindo histórias tão fantásticas que muitas vezes só podem ser narradas de maneira simples e direta, como se o narrador fosse um amanuense. Franz Kafka e Murilo Rubião fazem parte deste time. Há escritores que voltam seus esforços sobre a linguagem. O código é o alvo. À trama não é dada tanta importância. São os virtuoses. Se fossem guitarristas seriam Edie Van Halen, ou Stevie Vai. Como são escritores, chamam-se James Joyce, Lobo Antunes, Oswald de Andrade. Existem também escritores que criam tramas poderosas, escritas numa linguagem ainda mais poderosa. As dark plays, de Shakespeare, ou o Grande Sertão, do Rosa, são exemplos. Há ainda escritores, ou escritoras, que usam da pena como quem usa de uma britadeira. Estão escavando. Tanto a trama quanto a linguagem são meros instrumentos para algo que está além da escrita. A palavra aqui é instrumento de busca para o mistério amorfo da condição humana e da própria linguagem. Escrevem assim Clarice Lispector e Katherine Mansfield, entre outras. Mas há alguns escritores, ou melhor,  algumas obras de certos escritores, que não nos seduzem pela trama, pela busca, ou pela linguagem, e sim por um certo estranhamento diante do absurdo que é a vida. O cotidiano e o banal nos são esfregados na face de forma tão nua que ficamos com um gosto amargo na boca e uma sensação terrível de vazio. Exemplos? O estrangeiro, do Camus, Esperando Godot, do Beckett, A cantora careca, do Ionesco e também Relógio Sem Sol, do Cadão Volpato, livro que me surpreendeu demais.
Relógio Sem Sol é um livro pequeno, 115 páginas. Três short long story divididas em duas partes: Relógio Sem Sol, dois contos, e Homem Sem Ouro, um conto. Parece pouco, né? Parece, mas não se enganem, leitores, os relógios são maiores por dentro e, quando abertos, revelam mundos estranhos… Indefiníveis.
Relógio sem Sol, de Cadão Volpato O estranhamento começa logo de cara, porque há histórias demais para títulos de menos. Então, ou nenhuma das três histórias tem título, ou as duas histórias da primeira parte têm o mesmo título, ou as três histórias podem estar separadas, mas serem unidas por um fio condutor invisível. Tudo é possível, porque o narrador nunca mantém um esquema linear, mas vai e volta o tempo todo, atrasando ou adiantando seu relógio como bem lhe convém. É como se estivéssemos vendo fotos aleatoriamente, sem qualquer preocupação cronológica. Ora estamos no século XXI, ora estamos nos anos sessenta, setenta, ou oitenta do século passado. Não é um jogo simples, véus e desvendas. E o pior é que há um nível de importância para determinados fatos nos serem revelados e outros não, entretanto tudo o que é contado parece ser extremamente banal, cotidiano. Observamos as personagens se movimentarem, como se estivessem em busca de algo, mas do que? Elas, as personagens, são como espelhos no escuro, relógios sem Sol. Sentimos que Miguel… Ilíria… David… Solange estão orbitando em volta de algo, mas este algo não é o Sol, é o nada, o vácuo, o absurdo da existência que não tem fim Sublime algum. De certa maneira, o livro do Cadão nos remete a O Estrangeiro, do Camus, mas a experiência aqui é ainda mais radical, porque Mersault, ainda que não soubesse, girava ao redor de um crime, de um assassinato, era atraído por ele, ainda que não tivesse vontade de matar. Aqui não há sequer um crime. Só existe o vazio, sem revolta, sem nada além de um conformismo melancólico. É como pensa Miguel, observando o filho, num determinado momento do primeiro conto: “Por favor, não chore… o tempo está ruim para todo mundo”. O livro todo me lembrou um certo niilismo drummondiano, mas este trecho, talvez por também acontecer numa praia, me fez recitar Consolo na Praia baixinho.
O Sol é outro elemento que, como nO Estrangeiro, ocupa um papel importante na trama, a começar pelo título. Todo o tempo vemos referências ao astro rei. Talvez, por isso mesmo, considerei Relógio um livro extremamente apolíneo. Nietzsche definiu como apolíneo tudo o que é ligado ao claro, ao racional, ao direito, ao másculo, ao pictórico. Em contraposição, temos o dionisíaco, ligado a tudo o que é escuro, intuitivo, esquerdo, feminino, musical. Determinadas cenas do livro do Cadão são quase que pinturas. Um exemplo: “Em alguma praia deserta ao Sul da Bahia, o menino sacode um peixe metálico na porta da cabana, cujo retângulo de luz cega o interior. Miguel está deitado numa esteira, reluta em acordar, tudo está acontecendo de manhã”. Pode ser viagem minha, mas o retângulo de luz me fez lembrar Piet Mondrian. Numa tela cairia tão bem quanto numa página. O lado Dionisíaco, o ritmo, pode ser contido, uma música de câmara, como disse Marçal Aquino, as cores e formas, no entanto, são exuberantes.
Escrevi os quatro parágrafos anteriores há umas dez horas, hoje pela manhã. Agora são 20:26 do dia 27 de abril de 2011. Quebrei a cabeça a tarde inteira, procurando um gran finale para esta resenha. Queria algo poderoso, que transmitisse todo o meu entusiasmo durante a leitura dos três contos. Vislumbrei agora há pouco uma ideia. Seguinte, acredito que o Brasil tem grandes escritores, mas existem três que, pra mim, são soberanos, estão fora de qualquer batalha canônica. São eles: Campos de Carvalho, Guimarães Rosa e Raduan Nassar. O que isso tem a ver com o meu gran finale? Bem, há uns oito ou dez anos, fui ao cinema. Enquanto esperava o filme começar, peguei uma revista do Instituto Moreira Salles sobre o Raduan Nassar, estava jogada na mesinha do café. Havia ali um conto chamado Hoje de madrugada. Comecei a ler. Parecia uma história tão comum, narrada de uma maneira tão simples, mas por trás daquela cena singela havia um universo de desencontros. O filme começou, estávamos eu, minha mulher, que na época era namorada, e mais uma amiga. Elas me chamaram. Continuei lendo. Elas entraram para ver o filme. Continuei lendo. Depois de terminar a leitura, reli o conto inteiro. Quando entrei na sala, já tinha passado mais de meia hora de filme. Minha mulher, que na época era namorada, brigou um bocado. Não consegui prestar atenção em nada do que passava na tela. Estava perplexo com a história do Raduan. De ontem pra hoje experimentei a mesma sensação outra vez, depois que o carteiro entregou Relógio Sem Sol aqui em casa… é uma espécie de êxtase triste, deixa um gosto estranho na boca que nem pipoca, nem coca-cola, nem comédia americana conseguem arrancar. Puta livro.

Resenha escrita por Daniel Lopes, autor com textos publicados nas revistas literárias Amálgama, Meio Tom, Germina e Escritoras Suicidas. Publicou em 2008 o romance É preciso ter um caos dentro de si para criar uma estrela que dança, em 2010 publicou o livro de contos Pianista boxeador. Foi vencedor do prêmio Valeu Professor 2010, categoria conto.


http://www.lendo.org/o-que-e-literatura-de-cordel-autores-obras/

Cordel de Leandro Gomes de Barros




(Leandro Gomes de Barros)
Semore adotei a doutrina
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria…
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
Porque João-mole, o pai dela
era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
Disse Marocas a Zezinho:
Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada, ora esta!
Você pode ver-me as tripas,
Poré não verá carreira.
Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.
Disse Marocas, meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
Disse ele, eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
Disse Marocas, pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!…
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou, oh!, que dor imensa!.
Parece qu’stou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E d’uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
Por alma de sua mãe,
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
Disse a moça: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
Então lhe disse Marocas,
Desgraçado!… eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: vai-te murrinha!
E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensolso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
Disse ele, oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
Então a moça lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!…
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando
Por amor de Deus não bata.
Vai miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miudo.
Disse o Zé quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
Degraçada, vá embora.

Nossa Conclusão (sobre o cordel)

A literatura do cordel ainda é muito popular nas cidades,crianças e adultos lêem,escrevem,criam e etc.Enfim gostam muito.Mas por ser muito antiga ainda é pouco valorizada principalmente no lugar de origen no caso no nordeste.Os jovens são os que lêem menos cordel,já as crianças de pre-escolar em alguns lugares do Brasil ,os pais ou os avós fazem com que esses brasileirinhos aprendam e cultivem essa cultura.Bem o cordel ele algo que tem que ser muito mas valorizado,mas o problema é que ninguem mas se interessa por isso.Agora é so computador e video game e baba,mas todos precisam ler para ter um bom futuro e ganhar na vida.Então é isso o corel pode ser besta mas é algo que tem que ser lido e valorizado.

Cordelista cearense




Poeta popular, radialista e publicitário, nasceu em Fazenda Ouro Preto, Quixeramobim-CE, aos 18 de setembro de 1967. Desde criança exercita sua verve poética, mas só começou a publicar seus folhetos em 1989, quando lançou, juntamente com o poeta Pedro Paulo Paulino, uma caixa com 10 títulos chamada Coleção Cancão de Fogo. É o criador do Projeto ACORDA CORDEL na Sala de Aula, que utiliza a poesia popular na alfabetização de jovens e adultos. Em 2000, foi eleito membro da ABLC, na qual ocupa a cadeira de nº 40, patronímica de João Melchíades Ferreira. Tem cerca de 50 folhetos e dois livros públicados: O Baú da Gaiatice e São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel.

http://www.ablc.com.br/historia/hist_cordelistas.htm

Cordel -Pombal, o Marquês que mandava e desmandava

--- Walter Medeiros 
A história da humanidade
Tem muito para se ver
E agora eu vou dizer
Com gosto e com verdade
Para você entender
Os pru mode e os pru quê
De uma vida de vaidade

No campo e na Cidade
Essa história tem lugar
Pra gente se situar
Tem até a majestade
Pois pode acreditar
Tem coisa de arrepiar
Por falta de caridade.

Os fatos que vou narrar
Têm muito tempo passado
Não fique impressionado
Pode até se admirar
Passaram-se num reinado
De um país abastado
De cultura milenar.

Eu falo de Portugal
Lá no século dezoito
Onde um homem bem afoito
Que era Marquês de Pombal
Não gostava de biscoito
Nem jogava de apoito
O seu dinheiro real
 
Ele era amigo do Rei
Que se chamava José
Maltratava até a fé
E também fazia lei
Você sabe como é
Ele só queria um pé
Para confrontar um frei 

Com aquela amizade
Virou primeiro-ministro
E  num trabalho sinistro
Mandava em toda a cidade
Ali já tava bem visto
Que ele mesmo sem ser Cristo
Mandava mais que um abade

No tempo em que ele viveu
Era grande o despotismo
Um tempo de terrorismo
Sobre o povo se abateu
Foram anos de sadismo
Parecia um grande abismo
Uma escuridão de breu

O marquês era sabido
Tudo em volta dominava
Até na escolta mandava
Pra cidadão ou bandido
Sua fama se espalhava
E ele se credenciava
Um déspota esclarecido.

Mas não era só no reino
Que o Pombal influía
Ele também mandaria
Sem precisar nem de treino
Nas colônias portuguesas
De olho em suas riquezas
E nas especiarias.

Ele mandou no Brasil
Sua palavra era forte
No sul e até no norte
Seu mando repercutiu
Ele era mesmo de morte
Mudando até a sorte
De quem chegou, pois partiu.

Os jesuítas, coitados,
Que aos índios ensinavam
Seus idiomas usavam
E foram escorraçados
Onde eles trabalhavam
Ordens de Pombal chegavam
E as portas se cerravam.

Muitas escolas fechadas
Fizeram um tempo infeliz
Não tinha mais aprendiz
O marquês não aceitava
Foi do jeito que ele quiz
Aula nem mais na matriz
O despotismo arrasava.

Neste tempo os brasileiros
Sofreram um grande atraso
E não foi pequeno o prazo
Pois passaram-se janeiros
O marquês fez pouco caso
Como quem esquece um vaso
Que vale pouco dinheiro

Mas foi aquele marquês
Quem fez algo interessante
Mesmo sendo arrogante
Implantou o português
Como idioma constante
Pra o Brasil ser bem falante
Não contou nem até três.

Por outro lado Pombal
Só pensavam em ganhar
E tratou de organizar
Algo pro seu ideal
Passou a negociar
Para bem mais enricar
Às custas de Portugal.

Mas os revezes da vida
Pegam também quem é ruim
E com ele foi assim
Acabou sua guarida
Quando dom José morreu
A rainha que sucedeu
Era forte e destemida

Dona Maria Primeira
Ouviu a acusação
E tomou satisfação
Acabou a brincadeira
Mesmo pedindo perdão
Recebeu condenação
Pro resto da vida inteira.

Ele perdeu seu poder
O patrimônio confiscado
Deixou de ser açoitado
Foi desterrado a valer
Pra bem longe foi mandado
E nunca mais o reinado
Ele conseguiu rever

Na distância, abandonado
Com um castigo muito mal
Foi o marquês de Pombal
Sofrer um tempo exilado
Ficou ali e morreu
Sem  poder nem apogeu,
Deu-se assim o seu final.

Foi assim mesmo a história
Daquele rico marquês
Eu agradeço a vocês
Que hoje me dão a glória
De ter aqui minha vez
Prá ler um cordel por mês
Sobre derrota ou vitória.